"tá, tá...não percebe"


Nada tem a ver com horta, Quintas, alimentação, biológico... ou talvez tenha.
Talvez seja bom lembrar, a todos os que na Europa defendem o fecho das fronteiras e que cada um deve ficar no seu canto, que sem os que cá chegam de muitos cantos do mundo para trabalhar no campo, não haveria alimento nesta terra dos ricos.

Este foi o tema da semana passada e esperemos que se mantenha vivo.
Tenho a enorme sorte de pertencer à maioria, nunca vou saber "na pele" o que é ser minoria mas posso tentar pôr-me no lugar do outro.
E o mais estranho e incoerente é que mesmo em terras de África ou Ásia serei sempre da maioria. Porque maioria quer dizer poder e não quantidade.
Então, se posso, posso escolher.
Entre fazer bem e fazer mal.

Vou contar-vos a história do Bonchu, um dos tailandeses que trabalham connosco.
Desde a primeira hora mais falador, foi-nos contando a sua história.

O Bonchu e o Udom foram os primeiros a chegar.
Contra a minha vontade. Achava sempre que era possível encontrar portugueses e não me sentia confortável a entrar no mundo da angariação de estrangeiros que chegam à Europa sabe Deus como. Depois de muita insistência do meu filho e imensa dificuldade em encontrar quem quisesse trabalhar no campo, lá cedi a contratar "uns tailandeses".
Chegaram indicados por uma empresa. Ficou decidido que nós lhes pagaríamos diretamente (não faço ideia se eles lhes pagariam alguma "comissão") e ao mesmo tempo uma comissão mensal à empresa.
Tinham à sua espera uma casa excelente, toda preparada para os receber.
Fomo-nos conhecendo mutuamente e lá nos foi contando a sua história.
O Bonchu pagou 8000€ (!!!) para vir para a Europa. Isto quer dizer que de algum modo os teve que pagar a quem o trouxe. Os dois primeiros anos do Bonchu na Europa (não começou aqui na Quinta) serviram para pagar a sua vinda.
Cheguei a dizer-lhe para não pagar mais, mas estava fora de questão, se não o fizesse a família teria que pagar, para além de que é uma homem de palavra, não lhe passa pela cabeça não cumprir um compromisso.
Felizmente meses depois já tinha o valor saldado e ficou dono de si.
Mas a vida fora da Tailândia tinha começado muito cedo.
Pelo que nos contou  há um percurso mais um menos habitual para quem vai trabalhar fora do país.
Por tradição vão para a agricultura. Ao contrário de outros asiáticos escolhem o campo.
O Bonchu começou em Israel. Pelo que nos contou em trabalhos realmente muito duros, a trabalhar horas sem fim, com temperaturas muito altas e  a  manipular produtos químicos super agressivos nas estufas. Conseguiam ganhar bem à custa da saúde ... mas eram novos, dizia ele

Conforme se vão desgastando e conhecendo outros caminhos vão mudando. É muito raro ficarem 8 anos num local.
E porque está o Bonchu há 8 anos connosco?
Porque se sente bem. Poderia ganhar mais a trabalhar 12 ou 14 horas por dia, a dormir em camaratas cheias? com muita pressão diária para atingir a produtividade desejada? não tenho dúvida que sim.
Porque não se vai ele embora?
Porque tem uma casa que, acredito, segundo as regras deles, está impecável. Tem um quarto enorme partilhado só com um colega.
Tem o vencimento certinho. Colhem na horta a maior parte da sua alimentação. Os ovos das galinhas, perus e gansos, animais de quem trata, raramente lhes pomos a vista em cima :-)

Trabalha dois anos e vai dois meses de férias para a Tailândia, onde já é abastado. Já tem uma mercearia, uma carrinha para ir comprar os produtos para a loja, tem filhos e mulher à sua espera.
O filho mais velho, que queria trazer para cá, tem uma noiva e já não quer vir.
Que bom saber que o Bonchu conseguiu, com o fruto do seu trabalho, criar condições para que o filho não precise de sair.
O Bonchu é imigrante há muitos anos (já tem 50) . Passou toda a vida a trabalhar.
Aqui encontrou um local onde foi bem recebido, onde é respeitado.
Se lhe perguntarem se gosta de cá estar vai responder "muito bom!" com um enorme sorriso.
A lingua tem sido o nosso maior problema. As palavras/expressões mais usadas e das quais assume que sabe o significado são "muito bom", "bonito", "bom, bom", "tá, tá" "não percebe".
Sendo o "não percebe" a arma de defesa do Bonchu.
Sempre que lhe é pedida alguma tarefa que por alguma razão decide não fazer, ou sempre que alguma coisa corre mal e lhe é dito, a resposta é sempre "tá, tá...não percebe".
Com um sorriso.

A casa está em fase de melhoramentos e limpeza....
Vão ter uma cozinha nova mais bem equipada
Estão a fazer limpeza geral de Verão.

Achei que era bom contar como acontece aqui.
Como é óbvio salários iguais para trabalho igual.
Os mesmos direitos e privilégios. Os mesmos deveres.
Continuam a ser uma minoria. Mas isso não interessa nada.

Sempre que pergunto ao Bonchu quando se vai embora a resposta é "mais 4 anos".
Hoje voltei a perguntar  e a resposta foi diferente " -4 ou 5 ou 6,  aqui família, Duarte, Xico, Maltesinho tudo família igual Tailândia "













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