Onde pára o sabor ?


Quando se fala em produtos biológicos não há quem não refira o sabor.
"- Ah, tenho comprado produtos biológicos, nota-se uma diferença no sabor !! "
"- O que eu gosto mesmo nos produtos biológicos é que o sabor me faz lembrar a casa da minha avó, sabores que já não existem"
" - Eu compro produtos biológicos porque realmente são muito mais saborosos..."
Estas são frases que ouvimos todos os dias.
Apesar do sabor não ser, em minha opinião, a principal qualidade que podemos associar aos produtos biológicos, é realmente um valor acrescentado inerente ao modo como são produzidos e consumidos.
Nem tudo o que sabe bem faz bem, muitas vezes é precisamente o contrario, quanto melhor sabe mais mal faz.
Nas frutas e nos legumes a qualidade está ainda, felizmente, ligada ao sabor. Isto até ao dia em que inventem sabores injectáveis ou pulverizáveis.
Mas a verdade é que o sabor não é uma condição do modo de produção biológico de per si.
Há outras condicionantes tão ou mais importantes.

1) tudo o que é comido na época tem muito mais sabor. 
ainda outro dia falava com uns amigos sobre a saudade que os produtos da horta de verão nos deixam. É no verão que o sabor explode porque é o calor que trás sabor. Tenho a certeza que os nossos clientes vão lembrar com saudade o tomate, os morangos...já no Inverno não há nenhum legume que se destaque por ter sabores intensos. A fruta apanhada da arvore é a que sabe melhor, sem duvida, não pelo ato de a apanharmos mas sim porque estará em plena época de colheita. Comer morangos no Inverno devia ser proibido. Quando conseguirmos "convencer" os nossos clientes a abusar dos produtos na sua respectiva época e não lhes tocar fora dela atingimos um dos nossos objectivos :-)
Optar por só produzir na época o que é de época não permite ter o rendimento acrescentado ao produzir "fora de época" mas compensa quando percebemos que há quem valorize esta decisão

2) tudo o que é colhido em perfeito estado de maturação trás consigo o sabor mais intenso. 
Para termos muito e tudo durante todo o ano, temos que fazer concessões. Uma ameixa apanhada no seu auge de sabor dura talvez 4 dias. Uma ameixa apanhada "meia verde" conserva-se talvez dois meses ou mais no frio. Quando chega a nossa casa tem sabor zero. Mas pronto assim sempre comemos ameixas pelo Outono fora. Quem diz ameixa diz pêssegos, uvas, tomate, enfim toda a fruta em geral.
Optar por ter períodos de conservação mais curtos traz mais percas mas compensa porque felizmente há quem valorize esta decisão

3) tudo o que não chega a ser conservado no frio tem muito mais sabor. 
Deste ponto já falei noutro post. Mas resumidamente sempre que possível nunca conservar frutas e legumes no frio. Excepção para as folhas verdes e couves.
Optar por colher e vender trás menos rentabilidade mas compensa porque felizmente há quem valorize esta decisão

3) tudo o que cresce devagarinho, sem recurso a adubos químicos tem mais sabor. 
Quanto menos forçado o crescimento melhor. As adubações diárias feitas para acelerar o crescimento são acompanhadas por regas. Ora este crescimento artificial é feito à base de água e não de matéria vegetal (por isso muitas vezes as alfaces apodrecem em dois dias). Quanto menos matéria seca e mais matéria liquida mais desenxabidos/dissolvidos os sabores.
Optar por fazer crescer devagarinho obriga a prazos mais longos mas compensa porque felizmente há quem valorize esta decisão

4) as variedades menos resistentes são sempre as mais saborosas. 
Quem não se lembra dos morangos que deitavam aquele delicioso sumo vermelho? e quem não se delicia com um verdadeiro tomate coração de boi? são espécies em vias de extinção. Procurámos estes morangos e não os encontrámos. E porquê? estas variedades super saborosas mas frágeis não se compadecem com dias de transporte, semanas no frio e mais dias nas prateleiras e depois ainda mais uma semana em casa. Os legumes e a fruta têm que ser resistentes para aguentar tanto desvario.
Optar por produzir variedades mais saborosas, como muitas vezes acontece em MPB trás mais quebras e mais riscos mas compensa porque felizmente há quem valorize esta decisão

Poder comer na cidade o que foi colhido no dia anterior no campo é O verdadeiro LUXO. Acho que a maior parte de nós não tem noção do quanto vale poder optar por comer assim.

1 comentário:

  1. concordo com tudo mas o que me assusta na industrialização é que esta parece ter removido as sementes 'originais' do circuito comercial. Ou algo quase desse calibre. Ou seja: planta cebola, cenoura, tomate, alface tudo biológico, mas a semente que originou esses produtos já foi manipulada e alterada geneticamente.

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