No nosso coração


Há dois dias ficámos sem o Chouriço.
Porque há seres especiais que deixam marca, independentemente do tempo que por cá andam...
Até ao dia em que a Zuca entrou em nossa casa, para mim, ter um cão era só ter um cão. Não entendia aquela coisa de pensar um cão como um membro da família. Não entendia e até achava meio ridículo.
Mas isto é como tudo, só podemos falar depois de passar pela experiência.
A Zuca entrou, conquistou-me, passou a viver dentro de casa (apesar de estarmos numa Quinta com muito espaço para rua, canis, etc.), passou a ser uma de nós. Muitas vezes chamo-lhe Carlota... Sim é da idade, eu sei, mas não chamo Carlota a mais ninguém a não ser à Zuca e à própria que é minha filha... Passou a ser a nossa protetora. Com ela ao pé sentimo-nos sempre seguros. Não há alma que se aproxime da casa sem que a Zuca não dê sinal.
Um dia, há quase 4 anos, de uma cadela que o meu filho Duarte tinha, nasceu uma ninhada. Nessa ninhada estava um cachorro com uma mancha castanha num olho, tipo pala, e que olhava para nós sempre com a cabecinha de lado. Acho mesmo que era esse o principal truque do Chouriço para nos conquistar.
Aquele pingo de gente, com uma mancha num dos olhos, a olhar para nós lá de baixo sempre com a cabecinha de lado, um olhar meio perdido e ingénuo conquistou-nos para a vida.
O Chouriço era do Duarte mas era de todos nós.
O Chouriço ainda pequenino foi viver uns tempos para Lisboa, acho que nunca gostou... Adorava rua! Um dia fugiu e foi o pânico até o encontrarmos. Fizemos o que podíamos: o Duarte palmilhou quilómetros, pôs cartazes por todo o lado, um monte de gente a ajudar, já sem grandes esperanças, um cão pequeno, lindo, a olhar para nós com ar de perdido... Era óbvio que quem o apanhou não o iria entregar.
Sim porque o Chouriço tinha um jeito especial para conquistar. Era um verdadeiro sedutor.
Mas não é que vieram? Telefonaram ao Duarte a dizer que tinham o cão. Nem imaginam a alegria! Ficámos eternamente gratos àquele casal e mais ainda porque ela, não me lembro do nome, chorava de tristeza quando entregou o Chouriço.
Depois deste enorme susto, voltou para a Quinta. Tornou-se companheiro inseparável da Zuca . A Zuca tomou para si o papel de mãe extremosa. Amavam-se loucamente.

O Chouriço adorava rua, por ele era na rua que passava o dia. Sempre que era chamado a recolher vinha contrariado. Depois de chamar por ele aí umas 20 vezes, lá aparecia, devagarinho, como quem diz: “Que grandes chatos! Pronto está bem, eu vou...”
Nunca sabíamos muito bem de onde vinha. Mas vinha sempre. Ou quase. Ainda houve outra fuga que nos fez andar a calcorrear montes e vales mas, mais uma vez, tivemos sorte! Fomos encontrá-lo num quintal perto da Quinta, onde já tinha feito amigos.
Sempre que havia visitas, não perdia tempo ia buscar uma pedra que punha aos pés da pessoa, num descarado convite à brincadeira. Empurrava a pedra com o focinho até tocar nos sapatos da pessoa, isto no caso dela não ter reparado nele... Sempre educado, muito bem-educado (ou não fosse filho da Zuca…), não abusava, mas devagarinho, com a cabeça inclinada, olhava para cima e dizia, “Embora brincar?”.
O seu único defeito eram as suas raivinhas de estimação. Havia um conjunto de pessoas bem identificadas pelo próprio e de convívio diário que, sem razão plausível, sempre que avistava, tinha que desatar a correr e a ladrar ao mesmo tempo que fazia tentativas infrutíferas (acho que no fundo era mesmo só fogo de vista) para lhes morder as canelas.
Vezes sem conta aparecia castanho dos pés à cabeça depois de usar as poças que descobria na horta como as mais maravilhosas piscinas.
Ontem, de repente, já não estava cá. Dei-lhes de comer como faço sempre à noite e depois abri a porta para saírem mais um bocadinho. E mais uma vez quando chamámos por eles, o Chouriço demorou a aparecer, mas veio, entrou, deitou-se e de repente já não deu mais acordo.
Fizemos o que pudemos para o salvar, desta vez não deu.
Não temos explicação, ou pelo menos não queremos crer que a explicação seja a mais óbvia. Mas isso agora também não interessa nada.
Acabámos de o deixar debaixo da árvore de que mais gosto. O nosso sobreiro centenário, com uma energia muito especial debaixo da sua maravilhosa copa, que me chama sempre que preciso de tomar uma decisão ou sempre que a vida está num maior reboliço.

Mas esta é uma história de emoções e não de tristezas.

Único e insubstituível, tal como são todos os que passam pela nossa vida e deixam rasto, é, nas palavras do Duarte Um Amigo de Outra Galáxia.



3 comentários:

  1. Sei bem a sensação... O meu Bogas já é parte do limoeiro mais antigo da casa do meu Pai e o Mix está agora a descansar o mais perto que conseguimos do mar... bem pertinho da minha Mãe.

    Força e viva o Chouriço!

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  2. Assim tal e qual, o pequeno Grande Chouriço. Não será esquecido.

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