O meu pai.



Nos últimos dias tem-me vindo muito ao pensamento. 

Porquê? perguntarão. 

Estamos a arrancar as árvores/pereiras que ele plantou há 40 anos, algumas há 45 .... 

É verdade que temos vindo a arrancar parcelas mas assim, tanto de uma vez, nunca. E custa. 

Decisão pela qual me responsabilizo. Mas custa. 

Custa ver estas árvores, que TANTO nos deram, derrubadas. Durante 35 anos foi literalmente o fruto destas árvores que deu sustento à família e aos que cá trabalhavam. Nos últimos dez começaram a ter concorrência, os hortícolas biológicos foram ganhando terreno. 

Mas árvores são árvores. Árvores com tantos anos merecem todo o nosso respeito. Se fossem árvores de uma floresta ficariam até morrer, mas talvez azar delas, é suposto darem frutos que justifiquem a sua existência. 

Se custa pensar assim? custa mas tem que ser. 

Li uma vez uma frase que me ficou como lema de vida. 

"A tradição é a passagem do fogo e não a adoração das cinzas" 

Dizem-me muitas vezes que o meu pai deve estar orgulhoso do meu trabalho. Não consigo ter a certeza disso. Penso o que sentiria ou sentirei, (se é que se continua a sentir depois de partir), se um dia os meus filhos resolverem modificar tudo o que sonhei e pensei. Pergunto-me se não ficarei triste... 

É verdade que estas matérias de passagens, heranças, tradições podem ser vistas sob muitas perspectivas. Há quem sinta que tem que manter tal e qual, há quem deite tudo abaixo e comece de novo, há quem não saiba o que fazer, há quem não se identifique com o que lhe caiu nos braços, há quem desenvolva, há quem adapte, há quem deixe o fogo apagar e transforme tudo em cinzas...

Será que ver estes pomares a desaparecer é uma violência para o meu pai? será que também sente que está na altura de mudar para manter "o fogo"? 

Tenho a certeza, e conhecendo o meu pai, este ia ser O argumento. Nisso acho que sou parecida com ele. Era, definitivamente uma pessoa de "fogo". Nunca na vida o deixaria transformar-se em cinzas. 

Eu tenho um enorme orgulho em, até agora, ter conseguido manter "o fogo" do que me passou. Gostava de deixar aos meus filhos o "fogo" tão luminoso como ele me deixou. 

As heranças, passagens, mudanças são usadas por cada um conforme idealiza, conforme sonhou ou vai sonhando, conforme o mundo avança e nos vamos adaptando. 

Mas aqui, neste caso acho que com mais árvores menos árvores, mais horta menos horta, mais cabazes menos cabazes, mais restaurante menos restaurante, do que eu tenho a certeza ele sentirá orgulho é de termos criado um projeto com o máximo respeito pela natureza, um projeto ético. Um projeto onde, seja comigo ou com os meus filhos, há uma coisa que nunca se vai transformar em cinzas: os valores que ele nos passou.  

E é isso! 


 


2 comentários:

  1. Obrigada pelo texto e pelo vosso trabalho tão importante. O seu pai está orgulhoso de certeza.

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  2. Gostei muito do seu escrito. Parabéns!

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